domingo, outubro 31, 2004

A Mulher do Hospital - Parte V

Sairam do cafe. Luis virou um pouco ah esquerda, ao passo que MJoao para a direita. Ficaram assim separadaos por nao mais que 5 metros. Pararam, a ver a cidade acontecer. Luis estava de maos nos bolsos, a apreciar o frio seco que se fazia sentir. MJoao por sua vez estava com uma mao a segurar sua bolsa, e com os dedos da outra a brincar com seus labios. Estavam calados, e ambos a ver quem cedia primeiro e tomava o rumo do outro. Uma estupidez, talvez, mas alimentavam-se destes pequenos "conflitos" e sentiam o cortpo ficar cada vez mais quente. A necessidade olhar o outro era forte.
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Eis que, quando nao aguentavam mais (e nao foi mais de um minuto), voltaram-se ao mesmo tempo. Olharam-se sem falar por uns segundos e Luis esbocoou um sorriso, que fez MJoao arder de desejo. Adorava aquele sorriso, tinha algo de puro e inteligente, entenda-se... Sempre fora uma mu;her que gostara de agarrar a VIDA com forca, contudo, nao entendia aquilo que sentia por Luis. Por ela, tirava a roupa, sentava-se nas escadas e esperava por ele, ja ali.
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Luis por sua vez, esbocoou esse sorriso, quando se apercebeu que agora os papeis estavam trocados. Era ele agora que tinha o controlo da situacao. Consegui aperceber a menira como ela o queria, conseguia ver pela resposta envergonhada (de MJ, imagine-se!...) ao seu sorriso. Cedeu por segundos ah preseuncao e pensou que poderia leva-la para casa agora mesmo. contudo estava consciente da beleza destes momentos, pre-conquista, chamemos-lhe assim. Esta seducao, este clima que se cria, eh algo que nao tem comparacao com nenhum outro momento. Pior? Certamente que nao. Melhor? Nao sabemos, concerteza que eh bom. O momento em que a sensualidade ganha VIDA, ganha forma, quase podemos sentir. Entao cada gesto eh importante e cada palavra fulcral. Tudo tem de ser estudado, com estrategia, como se de uma guerra se tratasse.
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- Entao e a senhora, tem algo em mente para fazer agora? - disse eu. Quis ter a cortesia de perguntar onde queria ir, em vez de sugerir algo.
- Bem, porque nao dancar um pouco?... - neste momento deu-me um ligeiro disparo de adrenalina. Que melhor campo de batalha para jogos de seducao que uma pista de danca?...
- Terei todo o gosto...
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E dirigimo-nos assim para o Vynil. Fomos no seu carro, que estava estacionado mais perto, e porque MJoao insistiu que gostaria de me levar. No leitor de CDs, cantava Joss Stone... Excelente. Contornamos a Praca da Republica, subimos pela rua paralela ao Jardim da Sereia... Em menos de 5 minutos estavamos la, o transito nao abundava.
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Saimos do carro. Trocamos 2 olhares e 1 sorriso e entramos. [continua]

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quarta-feira, outubro 27, 2004

A Mulher do Hospital - Parte IV

- Entao, como esta? - perguntou-me. Continua nesta do "voce", ok, tambem nao sou eu que vou ceder...
- Um pouco melhor, agora...
- So um pouco? - ataque numero um... Por ataque refiro-me a aquele sorriso que me manda, enquanto brinca com os dedos, que da uma bofetada na cara e me faz arder de desejo.
- Outras situacoes far-me-iam mais feliz...
- Com outras pessoas?...
- Falei em situacoes, nao em pessoas... - As "reticencias verbais" estavam no ar, aquele tipo de dialogo que tem, ou nao, significados por tras.
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Chega o rapaz do cafe, novamente. Vestido de TShirt preta e avental da mesma cor, nao parece ter mais de 18 anos, e nota-se que trabalha ha pouco tempo. MJoao pede, sem me consultar, 2 cafes. Nao nego. Enquanto se vira para falar com o rapaz, aprecio seus peitos. Grandes, nao de mais, cheios, a pedir que lhes toque, que os cheire. E eh o que desejo fazer, naquele preciso instante, sentir o seu aroma, tocar, sentir, tocar... Sinto uma vontade de a agarrar suavemente pela nuca, entrelacar meus dedos em seus cabelos e mergulhar em sua boca. Mas calma Luis, calma...
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Falamos sobre a Festa das Latas, que esta a decorrer na cidade, falamos da polemica do confronto dos estudantes com a policia, falamos de juventude, e acabamos por falar de amor.
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- Mas entao diga-me, a respeito disso... Era capaz de fazer sexo com uma pessoa que mal conheca?... - pergunta-me.
- Bem, sim. Ha momentos que que se sente algo que nos faz agir espontaneamente. E espontaneamente nao significa necessariamente precipitadamente. E voce?...
- Porque nao?.. A VIDA realmente eh curta de mais para se perder tempo com falsos puritanismos. Quando quero uma coisa agarro-a, e eh assim que sou.
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Gostei. Como "homem dos tempos de hoje" que sou, gostei deste discurso, porque pareceu-me ser uma pessoa livre e com carisma. Passado cerca de 2h saimos. Conversamos sobre um pouco de tudo, pareceu-me ser bastante inteligente, e falar com ela era um prazer para mim. O que teve de interessante a nossa conversa foi a quantidade de mensagens implicitas que pairavam no ar. Fiquei com a sensacao que me desejava tanto a mim como eu a ela...

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sexta-feira, outubro 22, 2004

A Mulher do Hospital - Parte III

"Ola. So para dizer que terei todo o gosto em tomar cafe consigo no Gil Vicente na proxima Sexta-Feira, por volta das 22h. Informe-me se esta data for inconveniente ou se o prazer que tenho da sua companhia nao for partilhado por si." - li este mail algumas vezes antes de o enviar. Estava a dar-me gozo esta formalidade, e decidi leva-la ao extremo. Sabia que ele estava a achar-me bastante interessante, e decidi jogar com isso. Nao respondeu ao mail, mas sei que o fez de proposito. Como tal, decidi ir na mesma para o local combinado. Fui vestida de uma maneira simples, mas sensual. Interessava-me, este "rapaz"... Adorava o seu jeito de sorrir, parecia-me um miudo, puro. Bem, senti um desejo incrivel de fazer amor... Fazer sexo com ele. De verdade, naquele momento em que estavamos na sala do hospital, houve um momento em que sorriu para mim duma maneira, que me senti quente em todo o lado. Custa'me disfarcar este desejo, mas penso que consigo na perfeicao.
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Decidi nao responder ao mail, nao me esqueci. Acho que foi um acesso de "misteriosismo", para a senhora nao pensar que tem tudo sobre controlo. Esta formalidade, que primeiro se devia as circunstancias em que nos conhecemos, e se prolongou nao sei porque, agrada-me, e ao mesmo tempo deixa-me nervoso, nao sei porquê.
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Estava fascinante, que bela, eu ardia de desejo por ela! Cheguei atrasado 10 minutos, de proposito, e ela chegou 15, penso que tambem de proposito. Sentei-me, não pedi nada, disse que esperava alguém. Quando a vi entrar, o meu coração deu um disparo. Vinha simples, mas arrasadora. Uns jeans um pouco gastos mas com classe, e uma blusa preta, com um decote que deixava os mais imaginativos voar... E o cabelo... Parecia ter sido penteado em 5 minutos, mas estava lindo! Como que nos dissesse a sua personalidade: "Ola, eu sou a João, não me interessa nada como fica o meu cabelo, desde que fique belo!...".
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Deu um sorriso ao olhar para mim, fiquei nervoso. A minha auto-confiança fora abalada pela sua beleza. Seria eu bom que chegue? E bom que chegue para quê?... Sentou-se, ficamos 3 segundos a olhar um no outro, e finalmente quebrou o silêncio...
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- Olá... [continua]

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quarta-feira, outubro 20, 2004

A Mulher Que Perdi

Aqui estou mais uma vez... Fumo um cigarro, sento-me na secretaria. Ligo a aparelhagem, uma musica triste qualquer. Entra pouca luz pela janela, so permito algumas frinchas, sozinhas... Nao quero ver ninguem...
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Tento escrever. Escrever mais poemas sobre ti. Esta merda de obcessao. Pus na cabeca que imortalizaria nossa relacao em poesia. Sobretudo depois de tudo o que aconteceu e nos afastou. Sei que sou uma merda, seio-o bem... Deitei tudo a perder, e perdi-o mesmo. Arrependo-me? Claro que sim. Tudo daria para nao fazer o que fiz, e para fazer o que devia ter feito...
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Agora nao quero saber. Passou tudo, foi tudo levado de mim, e fico com este papel, onde te escreverei. Nao escreverei para ti, mas escrever-te-ei a ti. Devo ficar contente por te ter tido? Nao, ter-te tido matou-me... Nao te tivera eu tido e agora ainda andava por ai, iludido, ah procura da "mulher ideal"... Agora sei que a encontrei, e fiz por a perder.
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Espreguico-me na cadeira. Penso em ti...

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segunda-feira, outubro 18, 2004

A Mulher do Hospital - Parte II

- Ok, agora que voltou tudo ao normal, deixe-me dizer o que tenho a dizer. - disse, tentado ter um tom profissional.
- Meu Deus, que formal!... - o mesmo olhar de desafio se mantinha. Estava a comecar a seduzir-me. Olhei de novo. Pele muito clara, olhos muito azuis, um cabelo estranhamente bonito. E as pernas a brilhar, quase reflectindo a luz do sol.
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Sentei-me a seu lado na cama e olhei para ela.
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- Voce gosta de provocar nao gosta?... - disse, com um sorriso.
- So quem vale a pena...
- Entao e eu valho a pena?
- Nao digo que nao.
- Mas assumo que sim.
- Ah partida esta correcto...
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Fizemos uma pausa e trocamos uns olhares. Passado alguns segundos disse-lhe o que tinha a dizer na qualidade de enfermeiro e levantei-me.
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- Bem, tenho de ir...
- Volto a ve-lo, ou tenho de partir outro braco para o fazer? - nao consegui evitar dar um rasgado sorriso. Estava a comecar a ser muito dificil para mim nao demonstrar que me seduzia tremendamente.
- Valera a pena?
- Nao digo que nao... - escrevi meu email num pedaco de papel e entreguei-lhe, juntamente com um piscar de olho simpatico. Depois virei costas e abandonei o quarto, consciente de que o que tinha feito nao estava muito correcto, profissionalmente falando. Mas nao me importava. Achava que valeria a pena... [continua]

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sábado, outubro 16, 2004

A Mulher do Hospital - Parte I

- Quem me espera?
- Nada de especial, partiu um braco mas ja esta tudo bem, so tens de ajudar a vestir e dizer-lhe os cuidados que tem de ter.
- Ok.
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Vou pelo corredor com a ficha do doente, lendo e procurando se tem alguns pormenores a ter em conta. Joao Saldenha, 26 anos. Imagino um homem novo (eh da minha idade) que se aleijou caindo no passeio a caminho do trabalho. Quando dou por mim, apesar de estar quase a chegar ah divisao onde se encontra, ja estou com grande filme na cabeca, imaginando seu aspecto, teimas, etc. Faco muito isto com nomes que leio aqui e ali. E eh por isso mesmo que, quando abro a porta, sinto que me enganei. Vejo sentada de lado na cama, com as pernas a balancar, uma mulher de idade talvez entre os 25-30, de pele clara, cabelo louro muito clarinho, e um olhar que me perturba, entra dentro de mim.
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- Desculpe, devo ter-me enganado.
Leio a ficha de novo.
Ela, nao sei porque, ri, muito divertida.
Leio a ficha de novo e preparo-me para chamar alguem quando finalmente fala. Tem a voz sedutoramente rouca.
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- Nao, deixe estar, sou mesmo eu. Maria Joao, prazer. - eh aqui que percebo tudo. Esboco um sorriso como quem diz "bem me parecia que era isso", apesar de nunca me ter parecido que era isso.
- Sim, claro... Por isso estava tao divertida!... - digo, um pouco envergonhado.
- Sim, sabe, eu faco isto de proposito, sempre quer posso brincar com o meu nome! Acredite, a cara que voce fez, depois de ler a ficha 10 vezes eh impagavel.
- Bem, mas o que tenho para lhe dizer eh um pouco custoso.
- Ha? Como assim?
- Bem, sofreu danos talvez irreparaveis nos nervos, e eh muito possivel que no prazo de 2 dias perca, talvez para sempre, 75% das funcionalidades do braco... - a cara dela foi de um sorriso aberto, para um olhar de surpresa e tristeza. Eu estava consciente que estava a passar por cima de nao sei quantos milhares de regras de etica no trabalho de um enfermeiro, mas quis alongar mais uns segundos...
- Meu Deus, e agora?...
- Desculpe, fizemos tudo o que podiamos. - nao aguentei mais e rebentei a rir! Quando se apercebeu que tinha estado a gozar, uma cara de seria e chateada foi seguida de uma sonora gargalhada. Rimo-nos muito e aproximei-me um pouco.
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Eis que, talvez ouvindo o barulho e querendo indagar seu significado, chega o director...
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- Gonzaga, que se passa? - o meu sangue gelou. Dizer este tipo de coisas a um paciente, nem no dia 1 de Abril, constituia um violar de muito do que nos fora ensinado. Manter distancia, nunca mentir, mesmo que por brincadeira...
- Desculpe, eu tinha contado uma anedota muito engracada ao Sr.Gonzaga, e ele teve de se rir. Quer ouvir tambem? - assim me salvou. Havia um tom divertido e desafiador em sua voz. O chefe disse que nao, e saiu.
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Foi assim que a conheci... [continua]

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Alguem Diferente

Ali estava eu... Uma vez entre outras tantas, cantando as mesmas musicas de sempre, mas nao para as mesmas pessoas de sempre. Desta feita para outras (talvez) 30 mil. Apesar de ja nao sentir a adrenalina dos concertos que sentia nas primeiras vezes, estava tudo a correr bastante bem e estava a apreciar. O publico, maioritariamente com idades por volta dos 20 e poucos anos delirava, saltava, sorria.
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Eis que chega o momento da balada: "A Thousand Goodbyes". As luzes baixam, alguns isqueiros se acendem e o ritmo abranda. Toda a gente a cantar comigo, baixinho, arrepio-me. Talvez tenha sido ai, nesse arrepio, que aconteceu o que me deixaria diferente, para sempre. Ao passear os meus olhos pela multidao, sou obrigado a parar nos olhos dela. Danca suavemente, olhando fixamente para mim. A voz fraqueja-me por momentos e deixo o publico cantar. Nao consigo tirar os olhos dela. Penso que estou louco, quantas vezes raparigas muito mais atraentes e voluptuosas tentaram tudo comigo so pela fama que tenho. Mas aquela pessoa, tinha algo de diferente.
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Dou um sinal aos segurancas para a deixarem passar e faco-lhe um sinal, para subir. Com olhos de incredula, junta-se a mim. Olho-lhe nos olhos e dancamos um pouco, os segundos finais. Chega a altura em que nao sei o que fazer. Tenho medo. Afasto-me um pouco e deixo-a ir embora, pensando que que nao estava pensando.
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O concerto acaba,vou para o camarim. Algo se passa comigo. Penso que nao poso estar bom da cabeca, em deixar alguem que nao conheco afectar-me assim. Mas sera?... Sera que ha pessoas que se ligam mesmo ao nosso espirito? Sera que a minha alma estava ah espera de alguem, para me afastar desta VIDA de promiscuidade, seducao atras de seducao, alcool e drogas?...
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Tiro o casaco, tenho um papel pequenino com um numero de telefone escrito...

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sexta-feira, outubro 15, 2004

Como Estou...

Hei... Que dor foi esta?... Na, provavelmente nada de especial... Mas tenho de falar com o medico, estas pontadas no coracao estao a assustar-me. Na, provavelmente nada de especial...
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Fodas-se pa... Ja fui mais novo... Deixa-me olhara para mim, deixa-me olhar ah minha volta... Ah minha frente, uma gaja qualquer danca, semi-nua, tao farta de dancar como eu de a ver. Dou-lhe 10 euros e peco-lhe para ir para outro lado. Na minha mao direita um copo de JB 15 anos, talvez o sexto, setimo, nao faco a minima ideia... Na mao esquerda um charuto, que deixei morrer ha alguns segundos. Levanto-me e vou ao quarto de banho.
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Olho para o espelho. Sera que as outras pessoas veem o que esta por detras de mim?... O que esta por detras deste fato cinzento, elegante de 200 contos? O menino perdido que esta dentro do homem carismatico que todos conhecem... Algures no tempo perdi o rumo da minha VIDA. Continuo rico como um porco (porque estar com falsas modestias?), os meus filhos so me ligam quando preciso de alguma coisa, nao me lembro da ultima vez que vi o meu neto. Mas sera que a culpa eh mesmo deles? Sempre fui um arrogante e egoista...
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Molho as maos e passo-as pelo cabelo grisalho. Olho os meus olhos fundos no espelho. Pena de mim. Que eh que eu fiz a mim proprio? Quando eh que ganhar dinheiro, passar por cima dos outros, passou a ser o meu unico interesse?
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- Estou, filho?
- Pai?
- Sim, estas em casa? [ouco barulho, deve certamente estar a ter um jantar com amigos em casa]
- Sim, estou, porque, esta tudo bem?
- Sim, esta tudo bem, so queria ver se dava para dar pulo ate ai...
- Pai, eh quase uma da manha! [o barulho desce um pouco]
- Sim, mas ja nao vos vejo ha muito tempo. Ate podia ficar ai, e amanha iamos fazer alguma coisa os dois, como quando eras pequeno!.. E levamos o Jorginho, tenho saudades dele tambem!...
- Pai desculpa, mas vou ja dormir, e amanha tenho um compromisso...
- Ah, sim, claro. Tudo bem, eu compreendo...
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Estou sozinho, completamente sozinho... Ate o meu filho inventa estas coisas... Saio do quarto de banho, saio do pub. Meto as maos nos bolsos e olho para o ceu. Esta uma noite clara, a lua cheia da um tom azulado ao ceu. Um vento frio corre-me o corpo, mas agrada-me. Penso que certamente nao sera tarde de mais, acredito que nunca eh tarde de mais. Encho-me de esperanca que ainda vou a tempo de tudo mudar, e vou-me...

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quinta-feira, outubro 14, 2004

Rotina

Rotina. Acabei por acostumar-me ah rotina. Rotina. Rotina. Rotina. Se disser muitas vezes quase nao sei o que eh. Mas eis que descubro facilmente: basta-me levantar a cabeca e ver a mesma secretaria, os mesmos tipos de papeis ah minha frente, as mesmas pessoas a fingir que trabalham, o mesmo patrao a passear com a caneca de cha de camomila, a fingir que sabe de tudo o que se passa na companhia.
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Esboco mesmo um sorriso. Nao fosse eu uma pessoa de nao me preocupar, desesperava com esta situacao! Espera... DEixa-me deixar-me de brincadeiras. Olho para o espelho. Fodassse!, quando eh que esta barriga apareceu? E estas olheiras? Deixa-me pensar na minha VIDA... Espera... Pah, eu nao sou feliz!... Quando eh que isto aconteceu? Sera que estive a dormir ate hoje? O que me fez acordar? E sera que acordei? Vou fazer uma coisa estupida...
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- Oh Teixeira, desculpa la... O que eh que achas de mim?...
- Ha? Como assim?
- Pah a questao eh simples...
- O que acho de ti?
- Sim.
- Sei la... Es boa pessoa, trabalhas muito... [pausa]
- Porque eh que sou boa pessoa?
[pausa] - Oh Gama, desculpa la, mas tu estas bem?
- Esquece.
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"Es boa pessoa", diz-me ele... Coitado, nem imaginacao tem... E eu pensava que ele era dos meus melhores amigos no escritorio!...
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- Esta, Maria?
- Sim. Que foi? Passa-se alguma coisa? Porque tas a ligar? Nao me digas que te meteste em sarilhos outra vez!
- Nao, eh para dizer que nao vou jantar.
- Porque??? E agora, que eh que eu faco! Aiii, que ja tinha tudo planeado: cozinhar, lavar! Aiii... [penso - "dasssssssss"].
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Desligo.
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Saio do meu cubiculo...
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- Desculpe, senhor Costa?...
- Sim Gama, diga la!...
- Eh para dizer que a partir de amanha nao venho mais trabalhar.
- Como assim?
- Despeco-me.
- Esta a gozar comigo?
- Nao.
- Mas quer ir embora> Porque, quer um aumento?
- Nao.
- Entao porque?
- Pa... Nao sou feliz...
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Saio do escritorio, nem me preocupo em arrumar as minhas coisas, e vou ah minha VIDA, literalmente. Vou ah minha VIDA. Porque estar ali metido todos os dias, se nao gosto disso? Por causa do dinheiro? Que se lixe o dinheiro. Acho que eh mesmo como diziam os meus "amigos": Love is All You Need. E se nao tenho amor, procuro. Amanha de manha peco o divorcio. Vou mudar de VIDA, fazer amigos novos, conhecer sitios novos, quem sabe, voltar a apaixonar-me. Sera assim tao dificil, ser feliz?

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Sai de Mim

Por mais vezes que te peca para desapareces da minha VIDA, insistes em passear ao meu lado, no meu corpo, a cada segundo, cada instante que passa... Quando acordo, acordo cansado. Cansado de te ver nos meus sonhos e saber que nunca passarao disso mesmo... Cansado de dormir na mesma cama onde tantas vezes tu dormiste e foste ao ceu...
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Acordo, vou ao WC, e mesmo ao olhar para o espelho vejo marcas de ti. Vejo marcas de ti, ao nao ver marcas em mim de felicidade. O brilho dos olhos desapareceu, o sorriso dos labios morreu.
Visto-me a custo (queria dormir mais) e vou para a mesma VIDA de sempre. Na mesma VIDA de sempre, vens ter comigo. "Podemos ser amigos na mesma". Que lata... Como podemos ser amigos na mesma, se de cada vez que olho para ti me lembro de ti, com ele(?)...
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- Miguel, que fazes aqui?
- Que faco aqui? Que fazes tu aqui?... E quem eh esse?
- Miguel, tem calma, nao facas uma cena!...
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"Nao facas uma cena", diz-me ela. Vejo a que pensava ser a mulher da minha VIDA, a beijar intensamente e de mao dada com um gajo que nunca vi na VIDA, e pede-me para nao fazer uma cena!... Volto costas e vou para casa chorar. Como me amaldicoei nesse dia!... Como tive pena de acreditar, fora assim tao ingenuo?...

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Provocativa

Merda, nao consigo dormir!... Levanto-me da cama, procuro nos bolsos das minhas calcas o meu quase vazio maco de tabaco e vou ah varanda. A caminho apercebo-me que o quase vazio esta vazio. Abro a gaveta da mesinha de cabeceira de Elsa, que dorme, ressonando baixo mas irritantemente. De repente, paro um pouco. ALi, em pe, a olhar para ela. Meu Deus, como engordou desde o casamanento!... Dorme quase ocupando a cama toda, boca aberta, presumo que um fio de baba escorre para algum sitio onde mais tarde me vou deitar... Ouco o puto a falar sozinho enquanto dorme no quarto ao lado. Nao fora ele ja tinha ido embora ha muito tempo...
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De tronco nu e calcas de pijama, entro na varanda, saio por uns momentos do meu mundo. Acendo o cigarro e vejo-a. Ali esta ela, como tantas noites. Tao agradavel como a brisa que me beija o corpo no momento, ali esta ela, semi-nua, com perfeita consciencia que a estou a ver. Ensaia os mesmos movimentos de sempre, dancando ao som de, suponho, uma inexistente musica. Magra, nao de mais, cabelos pelos ombros escuros, pele de uma tez que me faz adivinhar tardes de praia. Nao consigo fazer com que aquela imagem me abale... Eis que, como tantas vezes antes, vira-se para mim. Consigo ver que esta, tal como eu, de calcas de pijama e tronco nu. Levanta o braco, estica o dedo e gesticula com este, fazendo gestos chamando-me, ah medidade que balanca suavemente as ancas, dancando qualquer coisa... Olho para ela... Espreito por detras do ombro... Olho para ela, olho para Elsa. Porque nao? O amor entre nos ja morreu ha tanto tempo, porque nao?...
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O cigarro que atiro do alto do meu nono andar morre passados alguns segundos. Entro no quarto, visto qualquer coisa, olho-me ao espelho, e vou. Porque nao?... Merda!, porque nao?... Estou nervoso. Nao vejo o que pode acontecer, penso antes no que me pode acontecer. Salvar-me desta VIDA de merda a que infelizmente me habituei. Este marasmo que me faz doer os musculos todos, esta minha existencia, cada vez mais desprovida de significado...
A porta do predio esta aberta. Chamo o elevador, que demora alguns 30 segundos a chegar. Entro no elevador. Carrego no botao numero oito. Quando chego, penso qual sera a porta, ganho coragem o toco ah campainha. Ouco qualquer coisa que nao sei distinguir se sao os seus passos ou o meu coracao a bater desenfreado. A porta abre-se. Por detras desta ela aparece, com a parte de cima do pijama vestida, o cabelo em desalinho e um olhar de sono mal disfarcado.
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- Desculpa... Sou o vizinho da frente, ah muito tempo que me chamas!... - digo, sem saber o que dizer.
- Desculpe, nao o conheco, e nao sei a que se refere. - diz, fechando a porta no instante seguinte.
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Fico alguns segundos no mesmo sitio, a olhar para a madeira escura da porta. De repente doi-me a garganta ao fundo, aquela sensacao de desgosto e desilusao... Rodo nos calcanhares, apanho os bocados de mim que ficaram pelo chao e vou-me.
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De volta ah mesma VIDA de sempre...

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