segunda-feira, setembro 24, 2007

Good Priest Bad Priest

A

7 da manhã, bom dia! Levanto-me, abro as persianas, deixo entrar o sol em minha casa. Ajoelho-me, rezo, agradeço a Deus mais um dia que me concedeu, vou tomar banho. Antes de ir para a banheira ligo a rádio local, vou ouvindo a música que até é sempre igual, mas tudo bem, é uma espécie de tradição. Por outro lado, sorrio ao pensar que não lhes fazia mal mudar um pouco.

B

7 da manhã, cum caralho… Já não tenho VIDA pra estas merdas… Nem sei quando é que tive… Ainda por cima, a noitada de ontem deixou-me meio combalido. Foda-se quando me lembro… O whiskey dá-me destas merdas… Ponho-me a jogar poker com aqueles caralhos e quem se fode é o pessoal que dá o dinheiro para a cesta nas missas. Também… são mais 20, menos 20 euros para a igreja. Também não precisam… a esta hora está o papa a coçar os tomates com milhões de contos ao lado…

A

Saio do banho. Daqui a umas horas é a missa de Domingo, a melhor missa da semana, a que tem mais gente a adorar Deus. Depois de me vestir e me barbear, vou tomar o pequeno-almoço à pastelaria aqui ao lado. Não é com surpresa que vejo a Dona Maria, Antónia, e todas as senhoras devotas que não conseguem esperar pelo fim da missa para falar comigo. Compreendo. Têm VIDAS difíceis, e eu sou alguém que as consegue entender. Não minto, às vezes distraio-me um pouco com o que dizem, e chego a achar aborrecido vez por vez, e é nestes momentos que mais questiono o que faço… Sinto-me triste e acho que deveria ter mais força, e penso se sou digno de representar o que represento. Eventualmente penso que, apesar de tudo, sou apenas humano, e também erro.

B

Não me apetece tomar banho, mas tem de ser. Ajuda-me sempre a curar um bocado a ressaca. Antes de ir para o banho sento-me na cama, ligo a aparelhagem, toca Doors, e fumo um cigarro. Quando acaba, levanto-me, e vou para o quarto de banho. Apetece-me, e então dou largas à imaginação com os recursos que tenho disponíveis. Lembro-me que hoje é Domingo. Foda-se, com este calor e a igreja cheia de gente a adorar deus, que terrível. É sempre um suplício. Mas nem tudo é mau, ainda não veio ninguém bater-me à porta. Saio, vou tomar pequeno-almoço à padaria. Por mim ia ao café comer qualquer coisa, tomar café e fumar um cigarro, mas o povo é fodido, num instante apercebiam-me que também tenho os meus vícios… O pior de tudo é que… estão?... Sim, claro, lá estão elas à minha espera! Não podem esperar pelo fim da missa para falar comigo, vêm sempre chatear-me quando estou na minha paz. Vejo-me fodido para me lembrar dos nomes delas, e chamo-as, de mim para mim, como as pastorinhas! Só falta o Francisco, porque Lúcias e Jacintas não faltam nesta terra!...

A

Depois de tomar o pequeno-almoço e conversar com as senhoras, vou para a igreja preparar a missa. Está um belo dia hoje, apesar de calor, e acho que vai ser um belo evento. As pessoas que me ajudam vão chegando, e está tudo pronto para começar.

B

Só lamentações pá! Que tratem da VIDA delas, que eu já me vejo fodido para tratar da minha! Como me lembro e arrependo dos caminhos que me trouxeram até aqui… Na altura não tinha muitas hipóteses de trabalho em que se ganhasse bem. Era religioso, mas estava à espera de uma qualquer revelação que me orientasse. Achei que, indo para padre, algo podia mudar. Acho que me fartei de esperar quando dei por ela e já era padre há 10 anos… Agora podia mudar, mas apesar de tudo, é tudo muito confortável. Não ganho muito, mas pouco do que gasto é meu… Quando chego à igreja já está lá tudo pronto para me ajudar. Sorrio em jeito de “bom dia”, mas no fundo penso se não terão mais nada para fazer…

A

A missa correu muito bem! Os coros estiveram particularmente inspirados, chegando a arrepiar-me, tal era a qualidade das músicas, e a alegria que me transmitiam. É nestes momentos que me sinto feliz por ser um humilde servente de Deus! No final vou almoçar a uma festa popular aqui perto. Corre também tudo muito bem, e bebo 2 copos de vinho. Paro por aí, não quero exagerar. À tarde há confissões.

B

A missa foi uma seca fodida… Chego a ter pena das pessoas que são obrigadas a lá ir todas as semanas, e terem de ouvir alguém tão pouco entusiasmado como eu… É que, não me fodam… Há pessoas aqui dentro mais hipócritas que eu… Quando acaba a missa convidam-me para ir almoçar às festas populares aqui ao lado. O almoço é um bocado chato, mas vou disfarçando o aborrecimento com umas copadas discretas do vinho da região. Quando acaba já dou por mim a apreciar as miúdas que andam em saia dum lado para o outro. É quando sei que já não estou sóbrio… Hei… e à tarde há confissões…

A

Das pessoas que se vêm confessar, a maioria não tem grandes coisas a dizer, mas aparece uma senhora que anda a trair o marido. Sei que é um comportamento reprovável, mas sinto pena e chego a emocionar-me, por esta senhora não conseguir combater esta tentação que a persegue… No final digo-lhe que juntos vamos conseguir ultrapassar tudo isto….

B

Após algumas horas de ouvir a mesma merda de sempre, aparece uma gaja que anda a encornar o marido. Eu gosto é destas, especialmente quando entram em pormenores. Ainda por cima esta é bem boa. Do lado de cá da parede de madeira, ao ouvi-la, com a voz chorosa, contar como tudo aconteceu, não consigo evitar tocar-me um bocado. Qual é o problema? Sabe bem, e no fundo não estou a fazer mal a ninguém…

A

Assim passa o meu dia. Quando acabam as confissões, vou aqui e ali, falar com este e aquele, pessoas que conheço e não vejo há algum tempo. Quando chego a casa, rezo um pouco, vejo televisão, e vou dormir.

B

Finalmente em casa. Vou directo da igreja alugar uns filmes, e, ao chegar ao meu pouso, aterro no sofá a beber um bom vinho do porto e a ver esses mesmos filmes, à espera do João Pestana. Amanhã mais um dia, mas um dos bons, não há missa de Domingo!

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