quinta-feira, outubro 14, 2004

Provocativa

Merda, nao consigo dormir!... Levanto-me da cama, procuro nos bolsos das minhas calcas o meu quase vazio maco de tabaco e vou ah varanda. A caminho apercebo-me que o quase vazio esta vazio. Abro a gaveta da mesinha de cabeceira de Elsa, que dorme, ressonando baixo mas irritantemente. De repente, paro um pouco. ALi, em pe, a olhar para ela. Meu Deus, como engordou desde o casamanento!... Dorme quase ocupando a cama toda, boca aberta, presumo que um fio de baba escorre para algum sitio onde mais tarde me vou deitar... Ouco o puto a falar sozinho enquanto dorme no quarto ao lado. Nao fora ele ja tinha ido embora ha muito tempo...
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De tronco nu e calcas de pijama, entro na varanda, saio por uns momentos do meu mundo. Acendo o cigarro e vejo-a. Ali esta ela, como tantas noites. Tao agradavel como a brisa que me beija o corpo no momento, ali esta ela, semi-nua, com perfeita consciencia que a estou a ver. Ensaia os mesmos movimentos de sempre, dancando ao som de, suponho, uma inexistente musica. Magra, nao de mais, cabelos pelos ombros escuros, pele de uma tez que me faz adivinhar tardes de praia. Nao consigo fazer com que aquela imagem me abale... Eis que, como tantas vezes antes, vira-se para mim. Consigo ver que esta, tal como eu, de calcas de pijama e tronco nu. Levanta o braco, estica o dedo e gesticula com este, fazendo gestos chamando-me, ah medidade que balanca suavemente as ancas, dancando qualquer coisa... Olho para ela... Espreito por detras do ombro... Olho para ela, olho para Elsa. Porque nao? O amor entre nos ja morreu ha tanto tempo, porque nao?...
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O cigarro que atiro do alto do meu nono andar morre passados alguns segundos. Entro no quarto, visto qualquer coisa, olho-me ao espelho, e vou. Porque nao?... Merda!, porque nao?... Estou nervoso. Nao vejo o que pode acontecer, penso antes no que me pode acontecer. Salvar-me desta VIDA de merda a que infelizmente me habituei. Este marasmo que me faz doer os musculos todos, esta minha existencia, cada vez mais desprovida de significado...
A porta do predio esta aberta. Chamo o elevador, que demora alguns 30 segundos a chegar. Entro no elevador. Carrego no botao numero oito. Quando chego, penso qual sera a porta, ganho coragem o toco ah campainha. Ouco qualquer coisa que nao sei distinguir se sao os seus passos ou o meu coracao a bater desenfreado. A porta abre-se. Por detras desta ela aparece, com a parte de cima do pijama vestida, o cabelo em desalinho e um olhar de sono mal disfarcado.
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- Desculpa... Sou o vizinho da frente, ah muito tempo que me chamas!... - digo, sem saber o que dizer.
- Desculpe, nao o conheco, e nao sei a que se refere. - diz, fechando a porta no instante seguinte.
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Fico alguns segundos no mesmo sitio, a olhar para a madeira escura da porta. De repente doi-me a garganta ao fundo, aquela sensacao de desgosto e desilusao... Rodo nos calcanhares, apanho os bocados de mim que ficaram pelo chao e vou-me.
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De volta ah mesma VIDA de sempre...

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