segunda-feira, maio 30, 2005

Contos de Um Viajante - I - A Praia a)

Encontravamo-nos sempre no mesmo sítio, mais metro menos metro... Eu chegava, o mar ainda em maré baixa saudava-me com ondas caprichosas. Chegava, tirava a blusa de linho branco, as calças da mesma cor e deitava-me na areia fina, sem toalha. Para quê? Se vou entrar no mar passado pouco tempo, e se ao me ir embora posso dar um mergulho para tirar os grãos que se apaixonaram pela minha pele, porquê deixar de sentir o suave e gentil lençol oferecido por uma praia indonésia, em Sumba Island.
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E assim me deitava, de barriga para baixo, brincando com meus dedos entre os finos grãos, o pó mágico que me fazia sentir totalmente em casa, na praia... Não era passado muito tempo que ela chegava. Uma parte de mim esperava que ela deixasse de vir, a minha parte racional, já que ela era a razão pela qual eu andava tão atrasado na minha escrita. Com os editores sempre à perna, sabia que aquela VIDA de sonho não poderia ser posta em jogo. Contudo, ao vê-la ali, de pareo branco, colar de flores a molhar os pés na água morna, esquecia-me de tudo.
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Até colar de flores! Pensava que era só nos filmes, nos livros, ou em blogs de histórias que isso existia, contudo, na minha realidade, ela tinha mesmo um, que a coroavade rainha com todo aquele aspecto sublime, como se tivesse sido enviada e criada para mim, para ser a minha musa... Contudo, o que mais me atraía nela era todo o misteriosismo em que ela estava envolvida... Todos os dias chegava ali, molhava os pés na água, nunca entrava. Passado um ou dois minutos virava costas e ia sentar-se uns metros antes, onde a água não chegava. Ali se quedava entre uma a duas horas, a olhar o mar. Ninguém vinha ter com ela, não lia, não fazia nada, ficava simplesmente a olhar o mar, calmo, sereno, como ela aparentava ser.
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E eu, ali sentado não muito longe, esperava que ela já tivesse alguma vez reparado em mim, que soubesse que eu existia. Queria falar com ela, mas eu não falava indonésio, e ela não sei se falaria inglês. Bem, na verdade, esta era a desculpa que eu dava a mim mesmo. O que acontecia era que não queria que nada abalasse aquela imagem que eu tinha dela, tudo era demasiado perfeito, e por isso muito fácil de esmorecer, de ser desiludido.
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"Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias, Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro, Ouvindo correr o rio e vendo-o."
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E eu que sempre tentei levar a minha VIDA com uma ideologia o mais contrária possível à de Ricardo Reis, agora via-me assim, preso a mim próprio, agarrado à ideia do que poderia ser, do que realmente saber. Se já estamos alto, para quê subir mais alto, mais alta será a queda... Mas que merda, detesto pensar assim, mas gosto de permitir-me ser diferente de mim mesmo, descobrir em mim, vez por vez, acções que não teria.

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terça-feira, maio 17, 2005

Contos de Um Viajante - Introdução

Dei tantas, tantas voltas ao mundo... Europa, Singapura, Tailândia, Américas, quase tudo, quase tudo... Portugal torna-se não num país, mas num destino constante que estamos sempre a adiar. "A VIDA é uma viagem", muita gente já o disse de certeza, mas li-o a primeira vez nas linhas de um poema de Mário F.O., meu poeta preferido...
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"Onde quer que estejamos,
Nós só estamos de passagem,
E então todos viajamos,
Sendo a VIDA uma viagem"
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Sábias palavras!... Apesar de escrever muito bem, e ser conhecido um pouco por todo o lado pelo que escrevi, a simplicidade de seus poemas foi algo que nunca consegui alcançar. Sim, escrever, o meu passaporte para passar 10 meses por ano a viajar e 2 meses apenas em Portugal. Tudo começou quando decidi escrever um romance passado na Índia. A minha editora não disse que não, o livro foi um sucesso um pouco por todo o lado (a segunda vez que uso este termo, pobre escritor) e assim começei a Saga, "As Viagens dum Perdido", cada livro, cada lugar.
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E em cada lugar, pessoas que conheço, pessoas que esqueço. Viajando aprendi que Portugal não é melhor nem pior que qualquer outro sítio. Pode se melhor para mim, mas quem, afinal, sou eu? Será a minha opinião mais importante que a dum Moçambicano, que diz-me seu país ser o melhor? E mesmo eu, apercebi-me que fronteiras, muitas vezes não passam disso mesmo, dum nome, uma linha usada para decidir onde acaba e começa algo que há 1000 anos não existia. As pessoas são pessoas, antes de serem Portuguesas, Espanholas, ou Finlandesas. Além de óbvias e normais diferenças culturais, haverá sempre boas e más pessoas em todo o lado.
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A VIDA é uma viagem, sim senhor, mas porquê viajar sozinho? Estou sempre acompanhado... Amigos de circunstância, gajas fáceis que aparecem em noites loucas, gajas difíceis que aparecem em noites divinais... Contudo, no dia a seguir, no momento em que vou para outro sítio, é como se tudo não tivesse passado de um sonho, geralmente bom, mas por vezes mau, quando foi bom demais... Mas ficar?... Porquê ficar, se a beleza de tudo o que se passou era o fim já anunciado?...

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sábado, maio 07, 2005

(Des)ilusao - Parte III

- Nao, professor, diga...
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Olha-me com uma cara que me parece um misto de tristeza, preocupacao, solidariedade, nao sei bem. Abre a sua pasta e procura qualquer coisa dentro, enquanto me diz:
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- Quero que tu tenhas calma, tudo se vai resolver. Juntos vamos poder encontrar uma solucao para evitar piorar a situacao. Quero que saibas que mal me apercebi do que era, desliguei completamente!
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Neste momento tira da sua pasta uma cassete de video, preta e sem etiqueta nenhuma. O meu coracao disparou e comecei a sentir-me quente no corpo todo, quase tonta. Nao podia ser o que eu imaginava! O professor liga a televisao, tira o som, mete a cassete dentro, carrega no play e vir costas. E pronto, foi nesse momento, nesse preciso momento que perdi toda a minha confianca nas pessoas, que deixei de acreditar em coisas como o amor, a bondade, todos esses sentimentos que so os desfazados da realidade conhecem.
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Na televisao vejo-me a mim, sentada na cama do Joao, e ele a meu lado. Se nao estava em erro tinha sido na passada semana. Estavamos vestidos, mas eu sabia ao que ia chegar aquele filme. Sentei-me lentamente, em camara lenta, como se a minha propria VIDA fosse um filme, tornada agora em filme de terror...
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Sentei-me na mesa. La fora uns miudos jogavam futebol com uma lata de Coca-Cola. Como queria ser como eles, sem problemas, a VIDA nao pregava rasteiras destas. Nao solucava, mas lagrimas saiam a toda a velocidade dos meus olhos, escorrendo pela face e caindo na mesa de madeira beje.
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Sem olhar para a televisão, o professor pega no comando e desliga. Senta-se à minha frente e diz qualquer coisa. Qualquer coisa, porque estou tão abstraída de tudo naquele momento que ouço apenas alguns ruídos, aos que, obviamente não respondo. Num momento, tudo fazia sentido, e num momento, não sei quantos anos envelheci. Sem as alegrias e tonterias por que deveria ainda passar, fui directamente para a fase da amargura, para aí ficar, até morrer, creio...
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O que veio depois, já se sabe... Não podia continuara a viver ali, numa terra onde toda a gente me tinha visto e o podia fazer quando quisesse a fazer o que eu menos queria que vissem.
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Há todo o tipo de pessoas no mundo... Pessoas capazes de por coisas assim na Internet. Pensava que só acontecia aos outros... Mudar de cidade, esperar que alguém aí veja o filme, me identifique com ele e começe a espalhar... Mudar de cidade, tudo de novo, até que começo a mudar-me a mim, nome, aspecto, para poder ao menos libertar o peso de caminhar na rua e ver os outros a apontar para mim...
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Pensava que só acontecia aos outros...

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