quarta-feira, junho 29, 2005

Sentir...

Ele só queria sentir. Nada mais interessava. Perdera-se há muito tempo de si próprio, por caminhos que escolheu sem saber. Agora, que se encontrara de novo, queria ficar consigo. Estando perto do fim (que tipo de fim?) aprendes a saber o que realmente é importante. E ele aprendeu. E para ele, o mais importante era sentir. Sentado no cumputador a escrever sobre si próprio levantava-se da cadeira e ia lá fora, sentir. Sim, sentir.
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Respirava e sentia o aroma dos eucaliptos, que lhe preenchia os pulmões e o lembrava de casa. Arregaçava as mangas e sentia os pelos arrepiarem-se com o Vento frio e agradável (sim, agradável) que passava. Levantava o braço e olhava para ele, concentrando-se em cada pelo levantado, qual floresta enraivecida. Entretinha-se com sua própria visão. Enquanto ouvia as árvores dançar ao som do Vento inspira-se naquele cocktail de sentimentos e prepara o último. Sai da varanda, liga a aparelhagem, Jeff Buckley, desce à cozinha, põe 3 pedras de gelo num copo, uma rodela de limão, um palito longo e enche o resto com Martini. Bianco. Com este na mão sai ao terraço da cozinha e senta-se, a apreciar cada segundo.
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"O mundo dá muitas voltas, mas nunca anda para trás" [M.M.] - não precisas de andar para trás. Agora sei. Não pares. O que aconteceu no passado fez-me aprender, e aprender fez-me estar aqui, sentado, a... sim, apreciar. Quantos segundos, minutos, horas, VIDAS! (!!!) passam sem tu te sentares lá fora a sentir seja o que for? Claro que és diferente de mim, não precisa de ser lá fora, não precisas de ter um Martini, só precisas de gostar! De qualquer coisa carago! De certeza gostas de qualquer coisa! Não sabes bem ao certo não é? É isso mesmo (!), é a esse "não saber que me refiro".
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Chega a alturas em que é tarde de mais... Já estou a dizer asneira. Nunca é tarde, mas quanto mais tempo passa mais uma pessoa se arrepende do que deixou passar sem dar importância às coisas que realmente são importantes.
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- Querido, acorda, estavas dormir agitado, a falar rápido, fiquei preocupada, tiveste um pesadelo? - a mesma pergunta de sempre. E eu, como sempre, incapaz de lhe explicar que o pesadelo era quando acordava, tudo o que se passava quando dormia era uma ilusão, uma ideia de VIDA que nunca chegara a ter. Porque afinal não aprendera a tempo... (mas não vamos sempre a tempo?...).
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Quando acordava e olhava para mim próprio, mexendo com dificuldade o pescoço. Olhava para ela e via a razão para agarrar-me uns momentos mais a esta VIDA, tão miserável que nem estava em meu poder acabar com ela. Olho pelo meu corpo sem VIDA, paralisado e sem sentir, e sinto que não sinto, que talvez nunca tenha mesmo chegado a sentir.
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Se calhar às vezes é mesmo tarde de mais...

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quarta-feira, junho 08, 2005

Contos de Um Viajante - I - A Praia b)

Um dia, ela atrasou-se... Passou meia hora, um hora, duas horas, e começei a perceber que aquele atraso não era um atraso... Ela não viria. Triste, voltei para casa, e sem perceber a minha própria atitude, fechei-me no quarto, deitado na cama a olhar para o tecto. Durante algum tempo não conseguia perceber o porquê desta minha frustração, já que nem a conhecia, mas foi quando adormeci e sonhei que tinha estado com ela que percebi... A razão pela qual eu não percebia porque estava triste (porque não a conhecia) era exactamente a razão da tristeza em si (porque não a conhecia). Complicado não?
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Dias passavam, e ela não aparecera nunca mais na praia. Porém, um dia pensei no velho ditado, se não vai Maomé à montanha... E assim resolvi seguir-lhe os passos, ir por onde achava que ela vinha. A areia foi desaparecendo, e com ela a vegetação, e com esta começou a aparecer um chão de terra batida com milhares de casas de chapa no horizonte, numa espécia de favela indonésia. O que chegava aos meus ouvidos era o choro de algumas crianças, pessoas a discutir naquela língua que eu desconhecia, e as pessoas que via estavam cá fora, algumas sem fazer nada, outras paradas a olhar para mim e um homem a gritar e esbofetear uma senhora pouco mais velha que eu. Aquele sítio não estava no caminho de nada, a minha musa pertencia ali...
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Até isto me tiram... O destino quis que eu nascesse aqui, que aqui vivesse e aparentemente, que aqui morresse... Toda a VIDA subserviente, casada aos 18 e filhos aos 19. Do acordar até dormir, servir... E aquela hora que sempre adorei, que sempre me fez continuar esta VIDA sem enlouquecer, querem-ma tirar. Todos os dias gostava de ir para o mar, apenas para o contemplar. Por momentos a minha mente voa, e já não sou isto, já não sou miserável, sou alguém em qualquer outro ponto do mundo, sou alguém feliz, ou melhor, sou alguém... Foi também o Adeus ao estrangeiro e suas promessas não ditas, que tenta disfarçar, disfarçando o seu olhar sobre mim...
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"Quero saber sempre onde estás, não vais lá mais!" - Porque é que tenho de aceder?... Ele vem aí, com descrição escondo o caderno onde desabafo e limpo as lágrimas, tempo de teatro...
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Não sei que pensar, mas fico desiludido. Não por ser pobre e vir dali, isso não me interessava nada, mas pelas consequências disso... Seguramente não era feliz, não ali, e isso, para minha própria surpresa, era o que mais me interessava...
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Não sabia que fazer...

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