Consulta
- Entao bom dia Sr... [olho subtilmente para a sua ficha para ver seu nome] Videira. Faca favor de se sentar.
- Obrigado.
- Importa-se que grave a nossa conversa?
- De maneira nenhuma doutor. - ligo o gravador.
- Como sabe, esta aqui devido as acusacoes de que foi alvo, e para eu tentar ajuda-lo. Certo?
- Sim, doutor, eu sei. Acusam-me de pedofilia.
- Mais ou menos. Sabe que a partir de uma certa idade ja nao se chama pedofilia.
- Isso para mim da-me igual, eh um nome, como qualquer outro.
- Nao eh bem como qualquer outro, este nome tras consigo uma conotacao muito negativa, e serias repercursoes a nivel legal.
- Eu sei.
- Ok. Certamente sabe que tambem ha muita gente que o chama de louco. Gostaria de comecar por lhe fazer uma pergunta, que apesar de parecer riducula, tem de ser colocada... O senhor considera-se em pleno dominio das suas capacidades mentais?
- Sim. Mas se nao tivesse dominio nao teria discernimento suficiente para o perceber.
- Sim, eh verdade, mas tambem creio que nao responderia assim.
- Diga-me, Sr. Videira...
- Pode tratar-me por Manuel.
- Diga-me, Sr. Videira, o que o levou a ter relacoes com 2 raparigas de 15 e uma de 16 anos?
- Talvez o mesmo que o leva a si a ter relacoes com qualquer outra mulher doutor. Voce gosta dela, ela gosta de si. Voce quer faezr algo que nao vai contra a vontade dela, voce faz... Porque voce quer, e porque ela quer...
- Tudo bem Sr. Videira. Mas tem de compreender que nao eh exactamente a mesma coisa. Uma rapariga com 15 ou 16 anos eh menor de idade. Compreenda que o termo "menor de idade" nao eh so um conceito, uma juncao de palavras criadas pelo homem. Menor de idade porque uma pessoa com 15, 16 ou 17 anos ainda nao eh um adulto. E isto porque ainda nao desenvolveu tudo o que tem a desenvolver, quer a nivel mental quer a novel fisico. Claro que nao eh no dia em que fazem 18 anos que todas as mudancas (vamos chamar-lhe assim) tem lugar. Muitas vezes estas mudancas so acabam depois, outras vezes ja acabaram antes.
- Mas vice nao percebe. Eu falava com elas, muito. Nao fiz o que fiz num acesso de espontaneidade. Fi-lo porque vi nelas pessoas maturas, capazes de decidir por si.
- Mas Sr. Videira, elas sao adolescentes, jovens. E voce, que tal como eu, tambem ja foi um, sabe que as decisoes dos adolescentes pautam-se nao por grandes reflexoes, mas por impulsos, num momento querem uma coisa, noutro momento querem outra.
- Sim, tambem eh verdade.
- Por isso poderia ter pensado que, a certa altura, quando percebessem que nenhuma das suas amigas fizera o mesmo, se iriam arrepender.
- Mas elas nao se arrependeram!
- Sim, Sr.Videira, arrependeram-se, e eh por isso que o senhor esta aqui. Nao se arrependeram por ter tido relacoes consigo, mas por terem tido relacoes com uma pessoa muito mais velha...
- Mas voce nao sabe o que eh...
- Como assim?
- Ser eu! Nao sabe como eh ser eu! Voce eh atraente, tem o seu emprego, imagino quanto vai ganhar com esta consulta. E imagino quantas mulheres pode arranjar no segundo em que sai ah rua! Mas eu!... Quando conheco alguma mulher elas desaparecem no instante em que sabem que ainda vivo com a minha mae ou que trabalho como porteiro. Foi por isso que vi nelas, raparigas bonitas, uma oportunidade de me sentir melhor comigo mesmo. E com elas era tao mais facil mentir, porque nao tem a experiencia de VIDA que tinham todas as outras mulheres. Nao conseguiam perceber que um gerente de uma cadeia de restaurantes nao poderia conduzir um Opel Corsa, ou que poderia andar vestido com roupas da feira. Nao pensavam nisso sequer.
- Sim Sr. Videira, mas compreende porque agiu mal? Aproveitou-se desta falta de maturidade de que eu falei, para se sentir melhor consigo mesmo. Compreende onde quero chegar?
- Sim, compreendo. Realmente fiz mal, claro que sim. Sempre o soube no fundo, mas o que disse aqui nesta sala a tentar convence-lo foi o mesmo que disse a mim desde o primeiro momento. Mas, talvez por necessitar de acreditar, foi mais facil convencer-me a mim proprio que a si. E, na minha (nada) inocente ignorancia, acreditei que nunca se descobriria.
- Sr. Videira, creio ter chegado onde queria chegar. Agora lembre-se de tudo o que falamos aqui. Vai ser tudo bastante mais facil na lei para si se assumir desde ja o seu erro, e nao persisitr em afirmar-se inocente ate ao fim. Compreende.
- Sim, doutor, obrigado. - responde, levantando-se e estendendo-me a mao.