sábado, outubro 15, 2005

A Mulher do Metro - Parte IV

- Eu de ti não quero nada... - digo, tentando parecer desinteressado.
- Por favor, estou farta de te ver, vais dizer-me que é coincidência...
- É tudo menos coincidência - digo, enquanto tiro a sua carteira do bolso e a atiro para ela, que não faz o mínimo gesto para aapanhar, deixando-a cair.
- Então foste tu que ma roubaste... - diz, com um sorriso cínico e perturbador.
- Fui. Mas não tens nada que me interesse. - e volto costas. Ela não diz mais nada, mas sei exactamente o que está a pensar, e sei que consegui fazer exactamente o que (não) tinha planeado.
.
Mulheres como ela estão mais que habituadas a ter as atenções centradas em si. Estão habituadas a ter um bom amigo que mais cedo ou mais tarde tenta algo mais. Estão habituadas a entrar num bar e ter os olhares a apontar na sua direcção, a ter homens nervosos e a gaguejar enquanto tentar articular palavras para a conquistar. E, sobretudo, chicos espertos que vão meter conversa em bares ou mesmo na rua, com linhas como: "Já não te vi em algum lado?", ou "Onde é que andaste a minha VIDA toda? - enfim...
.
Uma mulher como ela é segura de si mesma, as inseguranças que tem, se tiver, vem de dentro, e não estão relacionadas com interacção social, e com frustrações acerca das expectativas que as pssoas podem criar de si. Se ela tem alguma insegurança, terá muito mais a ver com o que poderia passar quando efectivamente se apaixonasse por alguém, do que com conquistar (ou deixar-se conquistar por) um homem para ter uma noite menos desinteressante.
.
Sabe o que faz, sabe o que não faz, e sabe que não perdera a carteira. Especialmente numa cidade como Moscovo, e tendo que viajar de metro frequentemente, desaparecendo uma carteira, é tão provável ela ter sido perdida como o Lenine se levantar e andar. Assim, no momento em que ela afirmou que tinha sido eu a roubá-la, tê-la-ia perdido "para sempre", no momento em que dissesse: "Não, eu encontrei-a no chão, e achei que devia devolver", ao que ela pensaria: "Que pacóvio...". O que é que uma mulher como ela pensaria que seria normal acontecer?... Pensaria que chegaria alguém com a carteira, a abordasse com gentileza, lhe entregasse a carteira com cuidado, não atirando como eu fiz, e que dissesse que a encontrou, não que a tinha roubado, como eu fiz. E é precisamente nisto que ela está a pensar neste momento. Está confusa, por uma vez, as coisas não correram como ela pensara, houve algo que lhe escapou, e isso, fá-la sentir algo que não costuma sentir, uma espécia de atracção.
.
Não deixei o meu número, não deixei nada. Então ela sabe, ou melhor, pensa, que o meu propósito nisto tudo foi... Nada! Para ela sou algo de misterioso neste instante, enquanto caminto até ao fim da rua, e a cruzo. Sem dúvida que pensará na mesma: "Que estúpido, que é que ele quer?.." - e dirá a si própria que eu sou muita coisa, mas nada de bom. Contudo, vai ficar a pensar em mim. Não incluído em algum grupo, como o grupo dos pacóvios, o grupo dos charmosos, mas no meu próprio grupo.
.
Muita estratégia para uma coisa tão simples parece. Mas se há coisa que não é simples é fazer baixar as defesas duma mulher que já tem tudo (ou todos) o que quer. Os dados estão lançados, vamos ver em que vai resultar. [continua]

|

sábado, outubro 08, 2005

Gambler

Sonhei toda a noite com aquilo. Sei que desta vez vai ser diferente, é muito azar para uma pessoa só! vai dar a volta, tem de dar a volta! Já estive a ganhar, já estive a perder, e consegui estar a ganhar outra vez! Agora sei que vou conseguir dar a volta, tenho de conseguir!!
.
Levanto-me, lavo a cara, não tomo banho nem almoço, não há tempo a perder. Dirigo-me ao Luís, ele tem de ajudar-me, ele sabe que se me ajudar também se ajuda a ele! Ali está ele, a fumar, como sempre. Quando me vê faz cara de "Vou partir-te as trombas um dia destes!!".
.
- O meu dinheiro pá?? - pergunta, enquanto manda o cigarro para o chão.
- Tem calma, ouve!! Sei dum esquema para te devolver o dinheiro, mas tens de me emprestar mais algum! A sério, não faças essa cara, desta vez é a sério!
- Mas tu 'tás-te a passa ou quê meu?? Tu já me deves 500 contos!! 500!!
- Eu sei, mas preciso que me emprestes mais 500, por favor pá, eu consigo os teus de volta! Por favor, pelos velhos tempo pá, por favor...
.
Estive mais meia hora a falar com ele. Perguntou-me qual era o meu esquema, mas disse que não podia dizer. A verdade é que não há esquema nenhum. Mal me dá o dinheiro vou a correr para a "Casa do Chaves". Toda a gente me olha de lado, mas tento fingir que não percebo. O Luís não é a única pessoa a quem devo dinheiro. Mas é aquem devomais, por isso vou já tratar disso.
.
Das 3 últimas vezes que joguei na roleta perdi. Das 3 meti o preto. Porisso quer dizer que desta vez quase de certeza sai o preto!! Fiz as contas em casa, há uma probabilidade enorme de sair agora. E vai sair.
.
Meto 450 contos no preto. Ela lança a bola. Estou um bocado pró nervoso... Começa a abrandar, toca no preto, vermelho, cai no preto!! Cai no preto!! Dou um berro instintivo, todos olham pra mim. 900 contos na mão! Penso em ir-me embora, mas depois penso melhor. Se meto os 900 contos no vermelho e sair, já pago quase tudo o que devo!! Meto 850 contos no vermelho, ela lança a bola, vermelho, preto, vermelho preto, vermelho!! Preto!!... Preto... O meu mundo cai. Vejo pelo canto do olho as pessoas a quem evo levantar-se. Num momento, rodo e saio a correr da casa. Consigo ir até à saída e continuar a correr, dobrando a primeira esquina e escondendo-me dentro dum prédio. Ainda os vejo, por detrás da vidraça. Sei do que são capazes.
.
Sento-me por debaixo dumas escadas e começo a chorar. Não tenho nada, até ao senhorio devo a renda faz dois meses. Os meus amigos deixaram de aparecer, respondendo como se deve responder, quando fui eu próprio a deixar de aparecer...
.
Recomponho-me e saio do prédio. Vou a caminhar em passo rápido, sempre a olhar por detrás do ombro até à estação de comboio. Todo o dinheiro que tenho são os 100 contos que poupei das apostas. Fi-lo instintivamente, imaginei que poderia precisar na situação que está a contecer agora mesmo. Para desaparecer daqui.
.
Com 100 contos consigo um bilhete de comboio para Lisboa, e nunca mais ponho os pés no Porto. Deixo o jogo duma vez por todas e inicio uma VIDA nova do outro lado. Tem de ser assim, só pode ser assim. Compro o bilhete e vou para a linha de comboio, comboio este que chega passados 35 minutos. Dirigo-me à porta, meto o primeiro pé dentro, e sinto-me ser puxado para trás violentamente, pelo ombro direito. Atrás de mim tenho o Luís e mais 4 ou 5 capangas dele.
.
- Mandei o resto do pessoal para a estação de autocarros. És tão previsível... Anda, vem connosco - ordena, enquanto mostra um revólver enganchado nas calças. Sei o que me espera, o mesmo que aconteceu a outros antes de mim...

|
Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com