sábado, outubro 08, 2005

Gambler

Sonhei toda a noite com aquilo. Sei que desta vez vai ser diferente, é muito azar para uma pessoa só! vai dar a volta, tem de dar a volta! Já estive a ganhar, já estive a perder, e consegui estar a ganhar outra vez! Agora sei que vou conseguir dar a volta, tenho de conseguir!!
.
Levanto-me, lavo a cara, não tomo banho nem almoço, não há tempo a perder. Dirigo-me ao Luís, ele tem de ajudar-me, ele sabe que se me ajudar também se ajuda a ele! Ali está ele, a fumar, como sempre. Quando me vê faz cara de "Vou partir-te as trombas um dia destes!!".
.
- O meu dinheiro pá?? - pergunta, enquanto manda o cigarro para o chão.
- Tem calma, ouve!! Sei dum esquema para te devolver o dinheiro, mas tens de me emprestar mais algum! A sério, não faças essa cara, desta vez é a sério!
- Mas tu 'tás-te a passa ou quê meu?? Tu já me deves 500 contos!! 500!!
- Eu sei, mas preciso que me emprestes mais 500, por favor pá, eu consigo os teus de volta! Por favor, pelos velhos tempo pá, por favor...
.
Estive mais meia hora a falar com ele. Perguntou-me qual era o meu esquema, mas disse que não podia dizer. A verdade é que não há esquema nenhum. Mal me dá o dinheiro vou a correr para a "Casa do Chaves". Toda a gente me olha de lado, mas tento fingir que não percebo. O Luís não é a única pessoa a quem devo dinheiro. Mas é aquem devomais, por isso vou já tratar disso.
.
Das 3 últimas vezes que joguei na roleta perdi. Das 3 meti o preto. Porisso quer dizer que desta vez quase de certeza sai o preto!! Fiz as contas em casa, há uma probabilidade enorme de sair agora. E vai sair.
.
Meto 450 contos no preto. Ela lança a bola. Estou um bocado pró nervoso... Começa a abrandar, toca no preto, vermelho, cai no preto!! Cai no preto!! Dou um berro instintivo, todos olham pra mim. 900 contos na mão! Penso em ir-me embora, mas depois penso melhor. Se meto os 900 contos no vermelho e sair, já pago quase tudo o que devo!! Meto 850 contos no vermelho, ela lança a bola, vermelho, preto, vermelho preto, vermelho!! Preto!!... Preto... O meu mundo cai. Vejo pelo canto do olho as pessoas a quem evo levantar-se. Num momento, rodo e saio a correr da casa. Consigo ir até à saída e continuar a correr, dobrando a primeira esquina e escondendo-me dentro dum prédio. Ainda os vejo, por detrás da vidraça. Sei do que são capazes.
.
Sento-me por debaixo dumas escadas e começo a chorar. Não tenho nada, até ao senhorio devo a renda faz dois meses. Os meus amigos deixaram de aparecer, respondendo como se deve responder, quando fui eu próprio a deixar de aparecer...
.
Recomponho-me e saio do prédio. Vou a caminhar em passo rápido, sempre a olhar por detrás do ombro até à estação de comboio. Todo o dinheiro que tenho são os 100 contos que poupei das apostas. Fi-lo instintivamente, imaginei que poderia precisar na situação que está a contecer agora mesmo. Para desaparecer daqui.
.
Com 100 contos consigo um bilhete de comboio para Lisboa, e nunca mais ponho os pés no Porto. Deixo o jogo duma vez por todas e inicio uma VIDA nova do outro lado. Tem de ser assim, só pode ser assim. Compro o bilhete e vou para a linha de comboio, comboio este que chega passados 35 minutos. Dirigo-me à porta, meto o primeiro pé dentro, e sinto-me ser puxado para trás violentamente, pelo ombro direito. Atrás de mim tenho o Luís e mais 4 ou 5 capangas dele.
.
- Mandei o resto do pessoal para a estação de autocarros. És tão previsível... Anda, vem connosco - ordena, enquanto mostra um revólver enganchado nas calças. Sei o que me espera, o mesmo que aconteceu a outros antes de mim...

|
Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com