quarta-feira, junho 08, 2005

Contos de Um Viajante - I - A Praia b)

Um dia, ela atrasou-se... Passou meia hora, um hora, duas horas, e começei a perceber que aquele atraso não era um atraso... Ela não viria. Triste, voltei para casa, e sem perceber a minha própria atitude, fechei-me no quarto, deitado na cama a olhar para o tecto. Durante algum tempo não conseguia perceber o porquê desta minha frustração, já que nem a conhecia, mas foi quando adormeci e sonhei que tinha estado com ela que percebi... A razão pela qual eu não percebia porque estava triste (porque não a conhecia) era exactamente a razão da tristeza em si (porque não a conhecia). Complicado não?
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Dias passavam, e ela não aparecera nunca mais na praia. Porém, um dia pensei no velho ditado, se não vai Maomé à montanha... E assim resolvi seguir-lhe os passos, ir por onde achava que ela vinha. A areia foi desaparecendo, e com ela a vegetação, e com esta começou a aparecer um chão de terra batida com milhares de casas de chapa no horizonte, numa espécia de favela indonésia. O que chegava aos meus ouvidos era o choro de algumas crianças, pessoas a discutir naquela língua que eu desconhecia, e as pessoas que via estavam cá fora, algumas sem fazer nada, outras paradas a olhar para mim e um homem a gritar e esbofetear uma senhora pouco mais velha que eu. Aquele sítio não estava no caminho de nada, a minha musa pertencia ali...
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Até isto me tiram... O destino quis que eu nascesse aqui, que aqui vivesse e aparentemente, que aqui morresse... Toda a VIDA subserviente, casada aos 18 e filhos aos 19. Do acordar até dormir, servir... E aquela hora que sempre adorei, que sempre me fez continuar esta VIDA sem enlouquecer, querem-ma tirar. Todos os dias gostava de ir para o mar, apenas para o contemplar. Por momentos a minha mente voa, e já não sou isto, já não sou miserável, sou alguém em qualquer outro ponto do mundo, sou alguém feliz, ou melhor, sou alguém... Foi também o Adeus ao estrangeiro e suas promessas não ditas, que tenta disfarçar, disfarçando o seu olhar sobre mim...
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"Quero saber sempre onde estás, não vais lá mais!" - Porque é que tenho de aceder?... Ele vem aí, com descrição escondo o caderno onde desabafo e limpo as lágrimas, tempo de teatro...
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Não sei que pensar, mas fico desiludido. Não por ser pobre e vir dali, isso não me interessava nada, mas pelas consequências disso... Seguramente não era feliz, não ali, e isso, para minha própria surpresa, era o que mais me interessava...
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Não sabia que fazer...

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