quinta-feira, abril 26, 2007

Fugir

[podem ouvir parte da música clicando aqui]


- O que fazemos aqui? - Perguntava ela, enquanto bebericava o vinho tinto que ele tinha recomendado. Sentia-o passar pelos seus lábios, e pouco depois descer lentamente pela sua garganta, deixando na boca um sabor suave e discreto. Não estava quente, não estava frio. Ela, Sofia, e ele, André, estavam sentados no capô do carro, um FIAT muito antigo de seu pai. Tendo apenas 16 anos, André não tinha carta. Mas isto era algo que tinham planeado fazia algum tempo. Desaparecer, simplesmente. A ideia tinha partido dele. Farto de todo o seu ambiente familiar, e farto de não poder estar com Sofia a todo e qualquer segundo, sugeriu, certa vez, em que descansavam nus no mármore frio de sua cave, fugir… desaparecer. Sofia não demorou a imaginar-se como uma personagem dum belo romance. Ébria que estava de paixão por este seu primeiro namorado, elevou um pouco esta ideia mirabolante de André, e planeou tudo ao pormenor. Foi quando apareceu, naquela noite de Sábado, de saco feito, frente a André, que este percebeu como tinha sido a sua frase interpretada. Na verdade, o namorado nunca tinha pensado realmente nisso, era apenas das coisas que se diziam, que se queriam, mas que nunca iriam acontecer… até que a vê ali, com um sorriso tímido e receoso, que decidiu. O que tinha a perder? Escola, amigos?... Nada interessava assim tanto como estar onde estava naquele preciso instante, perdidos numa planície alentejana numa madrugada de Segunda-Feira.

Ouviam Blue October, “She is my ride home”.

- Estamos a ir para casa, cada vez mais. – Diz, calmamente, num tom de voz completamente hollywoodesco.


















“I'll be reaching for the stars with you honey, Who cares no one else
believes (…)I told told you we'd do it (…)We drive, To leave the past,
And clear the mind,To watch the sunset set its time (…) Now close
your eyes, It's getting dark and the highway's clear, No sign of LIFE,
from front to rear, It's just you my dear, On the ride home, We're
going home.”
Na verdade sentiam-se cada vez mais perto de casa. A casa de André,
não era, sem sombra de dúvida, o sítio onde crescera… a casa de
Sofia não era, sem dúvida, o sítio onde crescera.A casa de cada um
era dormir no banco de trás dum carro velho e feio, a tremer de
frio, mas com o coração quente da presença do outro. Ia durar pouco,
sabiam… ou melhor, André sabia. Não tinham dinheiro, não tinham
provisões. Punham gasolina e fugiam, roubavam nos hipermercados, e
tinham, de certeza, a polícia à procura “do casal de Viana do
Castelo que fugiu de casa”.

Já Sofia acreditava, talvez sem se aperceber, que tudo aquilo ia
durar para sempre. Por issosentia em si a felicidade de uma
aventura eterna.
André contempla o céu, que ameaçava chuva, e pensa. Vê pequenas
linhas brancas, numa
tentativa frustrada que a lua fazia de
iluminar quem precisasse, e pensava. Pensava no quão bom
era
estar ali, e em como o facto de saber que ia durar pouco tempo
não o perturbava. Queria,
claro que queria… mas não o perturbava
porque convencia-se que o que interessava, realmente,
naquele momento, era… estar ali. Simplesmente.

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