quinta-feira, dezembro 09, 2004

Velhinho

Hoje esta friito... Mesmo assim, quero ir ao jardim, acho que ela vai estar la... Visto o meu casaco, luvas, protecoes para as orelhas, gorro e cachecol, pego na bengala e vou. Demoro mais de meia hora a percorrer a curta distancia entre a minha casa e o jardim, onde pequenas criancas agasalhadas tanto quanto podem brincam felizes.
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Sento-me no banco de madeira verde e tiro o saco de pao ralado com cuidado para niguém ver. Tenho vergonha de o fazer, da maneira como as pessoas olham para mim como um velho senil, mas adoro atirar maos cheias de pao para o chão e ver as pombas, felizes e vorazes, devorar tudo. Está um dia triste, que me faz ficar também um pouco triste. Pelo menos é o que digo a mim mesmo, que é por causa do dia, quando no fundo sei que é porque ela não deve vir hoje.
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Estou eu a pensar na sua ausência quando sou brindado pela sua presenca. Ao fundo, caminhando um pouco curvada (ai as cruzes...) vejo-a, no meio das suas amigas de todos os dias. Penso mais uma vez na sua idade. Deve ser mais ou menos da minha idade, 85 no máximo. Sinto-me triste, porque queria falar com ela, ser seu amigo, convidá-la para tomar café e falar, falar, falar... Só queria alguém com quem poder falar, conversar, dizer o que penso disto, daquilo... Alguém que me salvasse um pouco desta solidão que vivo todos os dias. Assim sofre um pobre viuvo. Com um contacto raro com os filhos, que foram viver para a outra ponta do país, com poucos amigos, e os melhores já falecidos, sinto que não pertenco aqui. Queria falar com ela, mas sei como são as senhoras de sua idade. Apesar de viuva como eu (disse-me o Álvaro), sei que geralmente as senhoras desta idade são muito fieis à memória de seu marido, achando que estão a cometer terrível pecado em partilhar a sua solidão com outro homem.
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Na verdade é só isso que quero fazer. Não quero sexo, não conzeguiria mesmo que quisesse, não quero nada de mal, só gosto daquela senhora, nem sei bem porque gosto dela e as outars me são indiferentes... Bem, encho-me de coragem, tento afastar da minha cabeca os pensamentos que corriam e levanto-me do banco, com o intento de me dirigir ao banco onde a senhora se sentou. Que tenho a perder? Respeito por mim talvez, caso seja recusado... Não interessa agora...
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Aproximo-me, faco uma ligeira vénia, tirando o gorro e pergunto à senhora, sabendo que à partida não se surpreenderá muito com a pergunta, já que sabemos da existência um do outro e já trocamos alguns olhares:
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- Desculpe, mas conceder-me-ia o prazer de me acompanhar num café nesta manhã? - Neste momento, abre muito os olhos, olha uma ou duas vezes para as senhoras que se sentam a seu lado e dispara, numa voz baixa e lenta, mas cortante:
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- Mas o senhor pensa o quê, que sou uma mulher qualquer que vai para um café com alguém que nunca viu na VIDA? Desculpe, mas o senhor não tem esse direito!... - Totalmente arrependido, faco uma vénia, peco perdão e retiro-me. Caminho lentamente, com uam dor no fundo da gargante incrível. Apetece-me chorar mas digo a mim mesmo que devo ser forte e sigo caminho, com lágrimas batalhando para saltar, e um buraco no lugar do coracão.

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