quinta-feira, julho 14, 2005

Contos de Um Viajante - II - A Musa a)

Lá passava ela, caminhando, angelical e demoníaca. O primeiro adjectivo no seu ar, o segundo no que nos fazia pensar. Contrariados pensavamos o que não queríamos pensar, mas gostávamose nada fazíamos para deixar de o fazer. Com os horários da dama na nossa cabeça lá sabíamos onde e quando ia passar, e juntamente com os velhos que fumavam cachimbo e conversavam no jardim, regojizávamos com tal vista.
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Nunca ouvi uma palavra de sua boca, sua comunicação era reservada para o carteiro, que recebia um "Bom dia" (sorte a dele), para os senhores da mercearia, que recebiam um "Olá" e pouco ou nada mais. Toda a vila a admirava, ninguém na vila o admitia. Fui crescendo com tal imagem na minha cabeça, permanecendo ela e imutável.
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Quis o destino mandar-me para longe, com uma bolsa para estudar em França, Paris. Deixei a vila, deixei Portugal, deixei tudo. Meus pais sairam também da vila e morreram uns anos mais tarde. Acabados os estudos voltei a Portugal, fixei-me na cidade e começei a escrever.
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Contudo, a imagem dela continuava presente, sempre. Não como mulher que poderia ter sido "a" minha mulher, as diferenças de idade eram grandes, mas como a mulher mais feminina e bela que conhecera. Quem sabe terá lido sem saber alguns dos inumeros poemas que dedicara à minha musa inspiradora intocável. As palavras voam para longe, teriam chegado até ela?
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Numa visão demasiado romântica, imaginava-a nesse momento, sentada em frente à lareira, a ler qualquer romance ou poesia, ainda slteira, esperando o príncipe encantado, que sabia no seu íntimo, nunca viria...

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